Uma urgência durante o tratamento de cânceres é saber se os medicamentos prescritos estão surtindo efeito. Para tornar esse monitoramento mais preciso e menos invasivo, cientistas do Reino Unido trabalham em uma técnica baseada na análise do sangue dos pacientes. O método busca detectar mutações que acusem a ineficácia dos remédios. Detalhado recentemente na revista americana Science Translational Medicine, poderá, segundo os autores, se transformar em uma ferramenta importante no combate a tumores na mama.
A aposta dos estudiosos é no PCR digital, já utilizado para ler o código genético de pequenas quantidades de DNA liberadas por tumores. Foram analisadas amostras de sangue de 171 mulheres com câncer de mama, na busca por mutações do receptor de estrogênio chamadas ESR1. De acordo com os investigadores, essas alterações denunciam a resistência no combate à doença, principalmente em mulheres tratadas com inibidores de aromatase, uma classe de agentes hormonais muito utilizada no tratamento desse carcinoma.
A análise obteve resultados positivos, com chance de acerto de 96%, mesma eficácia de métodos usuais. “Olhar para o DNA do câncer no sangue nos permite analisar as mudanças genéticas nas células cancerosas sem a necessidade de biópsias invasivas. Nosso estudo demonstra como as chamadas biópsias líquidas podem ser usadas para rastrear o progresso do tratamento do tipo mais comum de câncer de mama”, explicou, em comunicado, Nicholas Turner, líder da equipe em oncologia molecular do Instituto de Pesquisa do Câncer em Londres e responsável pelo estudo.
O exame de sangue avançado, capaz de identificar as mutações ESR1, pode ainda revelar mais informações do câncer de mama em estágio crítico. De acordo com os autores, as mutações de ESR1 foram detectadas em 6% das voluntárias tratadas com os inibidores de aromatase quando a doença não se espalhou. Por outro lado, estavam em 36% das mulheres em tratamento, mas que sofreram metástase. “O teste poderia dar aos médicos um aviso antecipado de falha do tratamento. Como ensaios clínicos de medicamentos que têm como alvo as mutações ESR1 também têm sido desenvolvidos, o exame ajudará ainda a escolher o tratamento mais adequado para as mulheres com câncer avançado”, destaca Turner.
Eduardo Vissotto, oncologista clínico do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, explica que a multiplicação de mutações que ocorrem nos tumores é um termômetro da evolução da doença. “O câncer de mama ocorre quando se perde o controle da reprodução do estrogênio. O tratamento consiste justamente em bloquear essa produção exagerada. Por isso a busca dessas mutações que ocorrem no DNA e a importância desse novo mecanismo. Com ele, podemos saber se o remédio consegue agir da forma correta”, avalia.
Personalização
A biópsia líquida tem sido objeto de pesquisa de diversos cientistas, que tentam encontrar maneiras de evitar processos mais invasivos e dolorosos aos pacientes, como as biópsias, sem perder a eficácia dos diagnósticos. “Nos últimos dois anos, tem havido um rápido progresso no desenvolvimento desses métodos para detectar mutações de câncer específicas na corrente sanguínea. Estou animado com as perspectivas desses novos testes e gostaria de, logo que possível, vê-los sendo usados em ensaios clínicos para que possamos mostrar que podem oferecer benefícios reais a pessoas com câncer”, destaca Turner.
Os cientistas também acreditam que a nova opção de exame possa trazer resultados mais precisos, por tratar cada paciente individualmente. “Estamos em uma nova era da medicina do câncer, a personalizada. As biópsias líquidas oferecem a esperança de que o tratamento possa ser monitorado e adaptado de acordo com a evolução de cada indivíduo”, explicou, em comunicado, Paul Workman, presidente executivo do Instituto de Pesquisa do Câncer em Londres e um dos autores do estudo.
Daniela Dornelles Rosa, oncologista do Hospital Moinhos de Vento–Porto Alegre e vice-presidente do Conselho Científico da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), aponta a praticidade como o ponto alto do estudo britânico. “Essa técnica de análise já é conhecida, mas poder fazer uma avaliação como essa apenas com o sangue é o maior destaque da pesquisa. No futuro, o método poderá ajudar a escolher o melhor tratamento, substituindo um que não se mostre eficaz por outro com mais chances de melhora”, diz.
Vissotto não descarta a possibilidade de o exame abranger outros tipos de carcinomas. Isso porque, segundo o oncologista, os cânceres, de maneira geral, liberam células tumorais circulantes. O especialista também cogita o benefício de realização do procedimento com mais frequência, ajudando no acompanhamento da doença. “Uma biópsia precisa ser feita de dois a três meses, e isso pode prejudicar o tratamento. Também usamos aparelhos de imagem, mas o tumor só aparece quando está grande. Conseguir identificar antes da formação dele ajudaria bastante a acabar com o problema precocemente”, detalha.
“Estamos em uma nova era da medicina do câncer, a personalizada. As biópsias líquidas oferecem a esperança de que o tratamento possa ser monitorado e adaptado de acordo com a evolução de cada indivíduo”
Paul Workman, presidente executivo do Instituto de Pesquisa do Câncer em Londres e um dos autores do estudo.
Fonte: Abradilan.